junho 30, 2005

Página 15: Paixão


artwork created by Richard A. Waters Posted by Hello



Lenta e inconformadamente, o vermelho-fogo converteu-se num esbatido rosa-alaranjado, o brilho esmoreceu, os olhos derivaram, o mundo voltou a definir-se na tela de fundo a que ficara remetido, desatou-se o nó na garganta, a confiança voltou ao sobe-e-desce da sua normalidade, o coração bateu de novo o compasso certo da melodia quotidiana.
Para trás o delírio, o deslumbramento, os dois seres extraordinários e únicos que povoaram o universo da beleza, da coragem, de todos os possíveis. A paixão que finda…

junho 28, 2005

Página 14: Rastos de luz

São mesmo rastos de luz o que me deixam os visitantes deste meu espaço. São delicados, passageiros e iluminam os contornos das minhas palavras com o seu brilho próprio. Gosto de seguir esses rastos e de imaginar como se sentiram nesta atmosfera que crio para meu prazer e deles.
É um mundo engraçado, este!
Sobre onde estou, quando não estou a leste do Sol e a oeste da Lua, cito o poeta:

Quem pega na bússola vê
Oito direcções de mundo,
Oito modos de estar.

O oitavo é o nordeste.

junho 22, 2005

Página 13: Generosidade


Autor: Fernando Gabriel Posted by Hello

Dar
Abrir o corpo
O gesto
Dispor o tempo
A alma
Ser porta ampla
Recanto
Areal e concha
Sustentar firme
A vontade
Viver do prazer
Dado

M.

junho 21, 2005

Página 12: Isto

Ter um diário pode também ser a forma de não dizer as coisas que diria se não tivesse um diário…

junho 20, 2005

Página 11: Preguiça

Deliciosamente inúteis os momentos de preguiça, ligeiramente contrariada pela meia força que ela consente. Muito suspirados, muito lânguidos, banhados da calma que vem de dentro. Distendem-se os membros, deixam-se arrepios de prazer correr a espinha, a ouvir os afanosos trabalhos de um outro. Recorda-se a lista das coisas para mais tarde, tremenda canseira!... Às vezes prende-nos a voz monótona de alguém e ali ficamos numa semi-consciência gostosa. Outras, é o olhar que pára numa cena passada do filme que corre.
Às vezes falamos desses momentos com palavras deliciosamente inúteis...

junho 18, 2005

Página 10: Convite


Autor: sweetcharade Posted by Hello

É uma mão segura, seca e suave a que se estende. Um gesto firme de vontade, sem fronteiras entre mão e peito.
Sou eu, afinal, e a minha necessidade de comunicação.
Venha, se quiser. Faça parte deste grupo que gasta tempo com coisas de palavras que não dão lucro, mas dão prazer. Seja você mesmo, ou outro. Convido-o a deixar rasto.

junho 16, 2005

Página 9: Sesta

No trabalho há ânimos acesos, cansativos. O Sol fustiga a pino e o estômago já se acalmou.
Preparo-me para a sesta, transportada para um pátio sevilhano, um fio de água cantante, abrigo de sombra fresca com vista para as reverberações sobre o mosaico de motivo árabe. Seguir a geometria, seguir a geometria até baralhar o desenho…
Talvez venhas tu acordar-me, bafo ligeiro sobre o meu pescoço, corpo alongado seguindo as curvas do meu, suficientemente próximo para que sinta a tua presença que se insinua e me chama e me acende, lento e irresistível, o desejo.

junho 15, 2005

Página 8: Ímpar

Hoje trata-se de rasgar o hábito dos dias pares. Reparei nas datas das minhas páginas e logo me deu ganas de quebrar “o enguiço”. Neste lugar não quero ficar presa ao mínimo compromisso. Não tenho temas, nem periodicidade, nem hábitos, nem fidelidades, nem outra censura que não seja a dos meus critérios momentâneos. Nada que possa tolher-me de ser humilde ou excessiva, banal ou sublime, vazia ou perene, ou ainda impedir-me de ficar algures a meio de tudo isso… Grito ou calo com a mesma liberdade com que, conscientemente, exibo a máscara das minhas palavras aos visitantes ocasionais.

junho 14, 2005

Página 7: Palavras

Uma imagem valerá mil palavras? Seguramente que nem sempre. Compare-se, por exemplo, uma passagem de um romance de Henry Miller com toda uma sequência de um filme pornográfico e depois falemos do poder de sugestão…

junho 12, 2005

Página 6: Universalidade

O regional é o universal sem os muros. Disse-o Torga e eu constato-o vezes sem conta no desfiar dos dias. Nesta minha terra querida se rasgam vagidos e se expiram suspiros. Embalam-se filhos que abandonam a asa, gasta-se a juventude à mão do homem. Aqui se temem os medos e se vibra felicidade. Se exulta. Se aborrece. Espera-se, ganha-se, perde-se. Aqui se vive universalmente, como em qualquer parcela do planeta...

junho 10, 2005

Página 5: Início

Depois do amor da primeira vez, ele perguntou:
- E agora?
Ela respondeu:
- Agora, fico à tua espera.
É o que tenho feito.

junho 08, 2005

Página 4: Expectativa

Verão. Quando a noite é clara, o vento brando e quente, o ar adocicado, no corpo nasce uma febre. Os olhos exigem distâncias, as mãos querem tudo agarrar, os pés, descalços, tateiam o solo e pedem caminhadas. Os ouvidos enchem-se de sons e o som arrasta um odor variado de sugestões. Os pulmões, impacientes, reclamam lufadas de céu. E só respirar, os olhos no alto, é já uma promessa de prazeeeeer.
O corpo agita-se: vai abandonar as fronteiras. E o peito torna-se pequeno para conter toda a expectativa...

junho 06, 2005

Página 3: Calor

Calor. Uma paralisia que sobe pelas pernas ao encontro da que desce com o ar respirado a custo. Torpor, por vezes gostoso. Letargia. Vontade de claro e de horizontal. Lençóis brancos e um mosquiteiro que ondeia só com a imaginação. E outra pele morena, ao lado, ao alcance do gesto que espera... Beleza recortada na sombra.

junho 04, 2005

Página 2: Regresso

Quanto tempo é necessário para que se declare a deserção? Estive ausente todos os dias que não contei e volto hoje aqui para deixar não sei que outro pedaço de mim...
Estou pacificada. Ontem brilhei com a intensidade própria da pequena estrela que sou e pratiquei um acto generoso e elevado. Hoje gozei plenamente o amor matinal. As velhas tristezas dormem por agora a sua sesta e dão-me algum sossego. Tenho planos a curto prazo e projectos vagos a médio e longo. E o Verão está aí, com os seus dias grandes e as noites vivas. Razões mais que suficientes para este suspiro fundo de prazer a cortar o ar ameno da minha sala.
Estou... quase bem!