julho 24, 2005

Página 25: Retalhos II

«Angustiante aquele filme sem nome que vira sozinha no exílio! Nenhuma prisão pior que a daquele resto de corpo jazente e cérebro tão vivo! A prisão da impossibilidade de um gesto, de um som, do mínimo sinal de vida! Um desafio à ciência que estabelecera como impossível a actividade daquela pequena parte de substância cerebral remanescente… Um desafio ao seu sono daquela noite, que custara a vencer as imaginadas discussões travadas com crentes em Deus. Um filme de quantas realidades? O pior dos horrores. Não, desse não queria ter-se lembrado. Que ideia recordar essa possibilidade de uma angústia maior! O mal dos outros nunca fora consolo. Mas as ideias eram mesmo assim, como as cerejas: num punhado as maduras e as verdes, as doces e as amargas, as boas e as imprestáveis, raramente as mais cobiçadas do cesto».

M., Deambulações entre Quatro Paredes, 2005